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Art by Martinho Dias

One Hand Clapping

revista online, Londres, 2023

MARTINHO DIAS, Auto-isolamento e criatividade em 2020 / 2021

#365 days after: projeto coletivo internacional criado pela associação artística M O K O N S H U, Ucrânia

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A princípio pensei que a pandemia era um problema distante que seria superado rapidamente. Mas depressa percebi o oposto.

 

Não demorou muito para que o mundo inteiro percebesse a sua própria impotência diante de um vírus invisível. Quando os efeitos começaram a fazer-se sentir em Portugal, estava a decorrer a minha exposição “Penas”, no Centro Cultural e de Congressos de Caldas da Rainha. A exposição estava a ser muito visitada, mas foi forçada a fechar mais cedo, a meio do período previsto. 

 

Mais tarde, em outubro, a exposição “Trigger”, em Lisboa, já tinha a particularidade de ter sido inaugurada com máscaras, numa altura inusitada, com acesso condicionado e redução do número de visitantes por receio de contágio. Apesar de tudo, o início da exposição ainda coincidiu com um período de alguma agitação e de convicção de que tudo estava a melhorar. A segunda onda da pandemia era uma miragem. Duas semanas após a abertura da exposição, tornou-se uma realidade, afetando ainda mais a sua visibilidade. 

 

Apesar de tudo, nos últimos 365 dias da pandemia continuei a trabalhar regularmente. 

Os bloqueios anunciados não me assustaram demasiado. Na verdade, já estava habituado ao confinamento no estúdio. Mas havia uma diferença - estar preso por vontade própria não é o mesmo que estar preso por obrigação.

Visitas ao atelier foram adiadas ou canceladas, assim como as visitas a exposições, concertos, reuniões. Mesmo quando isso era possível, a obrigação de usar máscara, o distanciamento social, restrições de tempo e tudo mais, não contribuíam para a motivação. 

Nunca me faltou material. Sempre gostei de fazer as compras diretamente na loja, no Porto, mas acabei por me render a algumas compras online.

 

Apesar do poder da pandemia, das suas consequências de longo alcance e das várias questões levantadas, nunca me senti motivado a representá-la em qualquer trabalho.

Pinturas Conceptuais | Artista brinca com a zona de conforto da sociedade

Obsessed WITH Art

Utah, EUA, 2021

por Maria Boscan

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Por que te tornaste um artista?

Eu não sei se isto é importante para o artista que eu serei hoje, mas a minha formação começou naturalmente com muita brincadeira... Hoje, já não se usa brincar... e quando se tenta, não se inventa muito. O mercado está repleto de brincadeiras condicionadas, do tipo Fast-food.

Para além do convívio com alguns amigos, construi inúmeras casas habitáveis... algumas ruíram... uma delas ardeu...

Gostava de construir barcos e aviões em madeira, gostava de música, de história... e de histórias. O meu pai era bom nisso. Tal como ele, eu adorava livros e, sobretudo, desenhava muito...

Bem, esta foi a minha primeira formação.

Nunca tive problemas vocacionais, pois sempre quis ser arquiteto ou pintor ou algo muito próximo.

Fiz parte de grupos de artistas amadores começando a participar em várias exposições coletivas, colaborei como ilustrador num jornal local, fiz parte de grupos de teatro e de música...... desenhei e construí o meu próprio atelier. Depois, tive de começar a focar melhor os meus interesses.

O meu ensino secundário foi feito numa escola de ensino artístico e nessa altura comecei a trabalhar em ilustração, como freelancer.

O ensino superior, (licenciatura e mestrado), foi feito na Faculdade de Belas Artes do Porto.

Eu saí das Belas Artes sem saber se era artista e ainda hoje não sei. É certo que ainda não fiz essa pergunta a ninguém. Fui professor de Artes Visuais, no ensino oficial, até 2009. A partir dessa data dediquei-me inteiramente à atividade artística.

Eu precisava mostrar o meu trabalho, de dizer que estava a fazer algo que poderia ter interesse para os outros. Se não o fizesse, só Deus saberia disso. Organizei um portefólio, selecionei galerias e fui apresentá-lo diretamente.

Os resultados não foram imediatos. 

Ao mesmo tempo, procurei estar atento a todos os meios disponíveis. A internet era um deles – numa fase ainda muito rudimentar. Ser artista, ou simplesmente “ser”, é resultado de um processo.

Hoje, como é natural, o meu percurso continua aberto... 

 

Que mentores ou artistas influenciaram e teu trabalho?

Eu tenho dificuldade em nomear mentores influentes no meu trabalho. 

Eu gosto de Marlene Dumas, Helnwein, Jenny Saville, mas também gosto de Ai Weiwei, AC\DC, Stockhausen, Rembrandt, Shirin Neshat, Klaus Schulze, Bill Viola, Sigmar Polke, John Cage, Velásquez, Steve Reich, Albert Oehlen, Schnabel, Turner, Muntadas, Rauschenberg, Rothko, Philip Glass, Vermeer, David Salle, Franz Kline, Dan Flavin, Kapoor, Brian Eno, Kiefer, Ghada Amer, Nils Petter Molvær, Peter Haley, René Aubry, Courbet, Rolling Stones, Fiona Rae, Paula Rego, João Penalva, Picasso, Millet, Gerhard Richter, Francis Bacon, Júlio Pomar, Cecily Brown, Cézanne, Laurie Anderson, Beuys, Murakami, Monet, Sol LeWitt, Joy Division, Maurizio Cattelan, Delacroix, Goya, Peter Greenaway, Gary Hill...

Apenas alguns nomes que poderão estar na origem e na continuidade do meu trabalho. Interessa-me o rigor de uns, tal como a espontaneidade, experimentação, gestualidade ou agressividade de outros, quer sejam realistas, minimalistas, clássicos, abstratos ou conceptuais.

Com 12 ou 13 anos, eu recebi o primeiro prémio num concurso de pintura. Recebi um conjunto de livros grandes sobre diversos temas incluindo teatro, música, escultura, pintura... Penso que essas leituras poderão ter tido alguma influência sobre o meu trabalho, tal como mais tarde, o contacto com revistas de arte a par de visitas mais regulares a exposições.  

  

Podes explicar em que estás a trabalhar agora?

Depois de uma obra para o Congresso Global da Educação – Virtual Educa, neste momento eu estou trabalhando na conclusão de uma encomenda. Uma série de 10 trabalhos desenvolvidos a partir de obras de artistas franceses. Estes 3 últimos trabalhos incluem Degas, Delacroix e Ingres dialogando com modelos de Victoria Secret e outras figuras. O resultado é a construção de novas leituras e novas narrativas.

Que tipo de legado gostarias de deixar?

Não sei.
 

Como gostarias que as pessoas se lembrassem de ti?

Simplesmente, quem eu sou.
 

Há alguma coisa que gostasses de acrescentar?

Eu poderia mostrar como eu faço uma deliciosa salada de atum ou uma sopa de legumes, ou como adormeço o meu gato... mas prefiro lembrar a velocidade e o excesso de controlo alienado que está sendo imposto à humanidade, em nome da rentabilidade, do politicamente correto, da justiça, do bem comum, etc. 

Esta organização coerciva é regida por soldados de gabinete híper-neuróticos, apoiados por dados Excel – que mais não são do que sombras da realidade. A esta alegoria contemporânea está faltando dizer “não”, ou então, “Acho que não”, como Bartleby, o escrivão que se recusa a escrever, de Hermann Melville.

 

Para aqueles que querem iniciar uma carreira artística, é importante não perder o sentido crítico argumentado, mesmo que o trabalho que venham a desenvolver não critique nada. Será igualmente importante perceber qual o nosso talento e se queremos realmente ser artistas... ou youtubers, ou astronautas... 

É fundamental direcionar o foco para aquilo em que acreditamos e ser persistente, determinado e perseverante... É fácil observarmos uma tendência para se assumir artificialmente um status que não se tem..... uma tendência para ver o sucesso (rápido de preferência) como um fim e não como uma consequência.

Jó e o jogo de Deus

A propósito da obra criada para a exposição coletiva APOCRYPHU

Galeria Espaço Exibicionista, Lisboa, Março 2021

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Jó e o jogo de Deus

130 x 100 cm

2021

Jó e o jogo de Deus, é um jogo de poder, tentação e muita paciência. Jó, está fora de jogo ao mesmo tempo que é jogado sem o saber. Um pacto entre Deus e o Diabo coloca-o no centro de um estranho e doloroso desafio divino. Se Deus é justo, Jó teve azar. 

 

A história de Jó é tão contemporânea que, ao colocar em causa a justiça de Deus, coloca igualmente em causa a justiça dos homens. De uma infinidade de abordagens possível, optei por ver o tema de forma mais inconclusiva. A pintura foca-se na ruína de Jó, provocada por Satanás com o consentimento e expectativa de Deus. 

 

As figuras têm uma aparência atual, visto que o “Livro de Jó”, um dos livros do Antigo Testamento, mantém-se ainda vivo nos dias de hoje. Jó, apresenta-se como um desportista interrogando-se sobre a sua sorte ou a falta dela. Acompanha-o um dos três amigos ignorantes que, como consolação, o tenta convencer de que o seu sofrimento é uma punição pois, Deus jamais faria sofrer um inocente.

Jó, terá sido um dos homens mais ricos do seu tempo e um grande jogador abençoado. Da sua fortuna constam milhares de ovelhas, camelos e bois, mais 500 jumentas e muitas terras trabalhadas por muitos criados. Pelas minhas contas, e em moeda atual, Jó teria um património superior a 20 milhões de euros. Apesar disso, e ao contrário do que estamos habituados a ouvir, era um homem justo, íntegro, de bom caráter e plenamente fiel a Deus. 

 

Mas, repentinamente e sem razão aparente, a injustiça divina abate-se sobre Jó numa sucessão de catástrofes que lhe retiram tudo, inclusive os seus dez filhos mais os criados. A sua pouca sorte parece advir da insegurança de Deus que, atravessando um momento de baixa autoestima, quer saber da sua piedade pedindo opinião a Satanás, frequentador da casa celestial. Sem qualquer nota de acusação, e com todo o respeito, quando Jó questiona a justiça divina, Deus torna-se ainda mais furioso revelando o seu lado obscuro e malévolo.

 

Sendo Deus omnisciente, todo este aparatoso sofrimento infligido injustamente a um homem justo, torna-se uma vergonha para Deus. Jó, manteve sempre os seus princípios, mas quase perdera a paciência. No final, com a vaidade restaurada e numa banal demonstração de poder, Deus recompensa Jó com o dobro de tudo o que ele possuía aumentando-lhe, portanto, a fortuna para mais de 40 milhões de euros. 

exposição TRIGGER

Galeria Espaço Exibicionista

Lisboa, Abril, 2021

A obra de Martinho Dias é maioritariamente figurativa e tem como tema central o social, jogando com os diferentes poderes da sociedade e camadas sociais privilegiadas, mesclada com uma generosa dose de ironia e humor que circula por muitos paradoxos.

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Enquanto artista, como te defines?

Considero-me um artista indefinido, figurativo, expressivo, sério e humorado. Interessa-me muito o conceito, mas não sou conceptual. Não consigo trabalhar apenas com a mente, o que me obriga a usar tintas, pincéis e cartões magnéticos. Talvez seja um (re)construtor de narrativas ou um manipulador de imagens e de contextos.

Há quanto tempo estás na Arte?

Eu diria que estou na Arte desde que me conheço, tendo começado pela “arte de brincar” – uma arte em extinção. Nunca quis ser astronauta porque achava impossível, mas acreditava que poderia voar com uns cartões amarrados aos braços – tudo correu bem, sempre, menos voar. Sempre aproveitei todo o tipo de papéis para desenhar... Quando fiz a minha primeira pintura a óleo utilizei água para “diluir” as tintas...
 

Qual a tua temática principal? O que te inspira?

A minha temática é sobretudo social, jogando com o poder e a falta dele ou com comportamentos diversos (des)conectados entre si. Gosto de ver diferentes modalidades (incompatíveis, por norma), a jogar no mesmo campo: umas vezes pode ser a tela, outras, a vida. A inspiração encontro-a no tempo em que vivemos atualmente e na forma como vivemos nele. Interessa-me o modo como os humanos se relacionam (ou não) entre si e consigo próprios.
 

O que significa ser criativo?

Ser criativo significa ser capaz de fazer algo novo com aquilo a que todos têm acesso, mas que ainda não foi feito. Como as palavras, por exemplo, ou os sons, ou o corpo ou os comportamentos. Ser criativo não é uma propriedade exclusiva dos artistas. Há muita gente comum, menos comum do que toda a gente. Ser criativo, devia ser uma obrigação!

MARTINHO DIAS, A ARTE COMO MOTIVO DE PRAZER

RUA MAGAZINE, Nº 34, dezembro 2019

Por Maria Inês Neto

Fotografia: Nuno Sampaio

Entramos no imaginário figurativo de Martinho Dias e deparamo-nos com realidades abstratas, costumes de uma sociedade cosmopolita, crises mundiais que assombram a modernidade e provocações que são criticamente expostas numa tela em branco. Há detalhes do quotidiano que nos saltam à vista, em obras que suscitam uma interessante crítica política e social, com o propósito de ir mais além que as bordas de um quadro.

Natural da Trofa, onde reside e trabalha atualmente, Martinho Dias é um pintor particular. A complexidade e os diversos recursos do mundo global são os seus princípios. Interessam-lhe os comportamentos humanos, as motivações e consequências das ações que demarcam o quotidiano de uma sociedade contemporânea. No grosso das suas obras, há um desdobramento propositado da realidade, individual e coletiva, a qual Martinho Dias procura reconfigurar no branco das suas telas, de uma forma sugestiva, crítica e intencional.

 

Mestre em Artes Plásticas, pela Faculdade de Belas Artes, no Porto, Martinho Dias dedicou parte da sua vida a lecionar Artes Visuais e a ilustrar livros de literatura infantojuvenil. Embora fosse algo que lhe dava um vasto prazer, a sua vida profissional seguiu outro caminho: a pintura. Ao som de um dos inúmeros CDs que preenchem a sua sala, sentámo-nos à conversa, na ânsia de entrarmos no seu mundo figurativo e abstrato, que nos transporta para além da própria pintura.

 

“Gosto que a arte seja motivo de prazer para os olhos”

 

A nossa conversa começa com uma viagem ao passado, ao início deste percurso pela arte, com o intuito de conhecermos a razão pela qual há uma década ter deixado de lecionar para se dedicar unicamente à pintura. “A escola ou a sua função ficava quase para segundo plano. Paralelamente, começava a procurar outros trabalhos, fui filtrando as coisas e estava a querer mais a pintura, pelo que começou a ser difícil conciliar as duas coisas”, conta-nos Martinho Dias. Define a sua arte como uma procura de a tornar num motivo de prazer para quem a vê, ao mesmo tempo que esta instiga, revolta ou questiona. Que seja a causa de um comportamento, que incentive as pessoas a pensar sobre o que estão a ver à sua frente e não se deixarem ficar pela observação. Como Martinho Dias refere: “A arte não tem de ser isto, mas eu gosto que seja motivo de prazer para os olhos, porque eles vão comunicar com algo do nosso interior”.

 

Ser o ponto de partida para uma conversa é a sua intenção, enquanto artista, assim como lhe interessa sentir que consegue dar alguma autonomia à sua obra, para que ela diga algo e se deixe ser comentada. “A obra não vai sofrer mudança nenhuma, mas se provocar alguma alteração em quem a vê é ótimo. Quer dizer que vai despertar uma pergunta, uma reação, um comentário e significa que foi capaz de fazer alguma coisa, não foi apenas uma peça decorativa e ignorada”, comenta.

“Eu não pinto para ter os quadros encostados à parede, interessa-me pô-los em circulação. Se me perguntarem se estou no sítio certo ou no patamar que queria, se calhar até estou acima do que desejava há uns tempos”

 

Quando questionado se a arte poderia ser vista como um veículo para a mudança ou um caminho para que possamos interpretar a realidade de uma outra forma, ao passo que nos impulsiona a favor de uma sociedade proveitosamente mais crítica, Martinho é muito direto: “Não temos de esperar que a arte faça alguma coisa nem que a arte mude o mundo. É um veículo, sim, como muitos outros. Se considerarmos a arte no seu todo, pode levar a questionar e temos imensos exemplos na História em que a arte provocou reações violentas (e continua a provocar). Às vezes, significa dar cinco passos à frente para depois dar dois atrás, mas quer dizer que andamos três passos adiante. A arte pode fazer muitas coisas e pode levar as pessoas a reagir, sem ser obrigada a isso”.

 

No espectro das suas obras, algumas expressam ruído, melodias ou conversas. Há um excesso de movimentação e um paradoxo de coisas a acontecerem em simultâneo, mas que solidificam uma sinergia da qual Martinho caracteriza como uma “partitura, uma notação musical”.

 

O que diriam as suas obras, se estas gritassem?

“Acho que algumas iam fazer muito barulho, outras iam ter sons agradáveis e melódicos. Iríamos ter uma junção de ruído com melodia e isso é perfeitamente possível, até porque seria demasiado entediante ter tudo excessivamente melodioso”, responde-nos Martinho. A sua obra, conceptual e figurativa, demarca uma certa ironia e propõe uma interessante crítica política, que vai de encontro ao seu interesse por articular padrões coletivos com espontaneidade individual, sem se tornar numa arte retórica nem moralista – que não é o seu propósito.

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Dentro da normalidade que dita uma rotina, Martinho Dias garante que não procura trabalhar em demasia para tornar as coisas visíveis, mas antes que acrescentem algum reconhecimento à sua obra. “Eu não pinto para ter os quadros encostados à parede, interessa-me pô-los em circulação. Se me perguntarem se estou no sítio certo ou no patamar que queria, se calhar até estou acima do que desejava há uns tempos. Sinto que há uma progressão e vitalidade, que também é importante”, confessa. Experimentar outros estilos e explorar outras formas de arte, como a escultura ou os métodos da instalação, são oportunidades que Martinho acredita que surgirão espontaneamente. No fundo, como nos conta, é tudo uma questão de “conseguirmos ser diferentes no meio de um todo”. Este é o segredo que pinta a sua tela.

OFFICE

Galeria O RASTRO

Abril 2019

 

Texto para catálogo da exposição

Por António Tavares (escritor)

 

Não é possível ficar indiferente à pintura de Martinho Dias. Ela capta-nos o olhar, quanto mais não seja, pela inusitada quebra dos ambientes formais que nos oferece. O elemento dissonante – corvos, galinhas, cães em corrida, poses inadequadas – introduz uma dimensão caricatural e política que suscita um olhar intérprete. E quem vê tem de reflectir, ainda que a arte, como pretendia Freud, possa ser incompreensível e enigmática. Martinho Dias solicita-nos a que o esforço da razão ceda ao deleite do olhar.

 

E não é difícil. Pela tensão que os rostos transmitem, pela mancha vigorosa e marcadamente gestual, pela luz e pelo contraste das cores e pela ironia, claro, às vezes caricatural e satírica. De resto, não há intimidade nestes quadros de Martinho Dias, mas percebemos que os ambientes retratados também não se expõem de forma pública. Toda a paisagem é interior – gabinetes, salas de trabalho e de reuniões, secretárias, cadeiras – e se exibe num contraste marcante com a expressão das suas personagens.

 

Do conjunto dos vários elementos sente-se uma inquietude tonal. A mancha acrílica, umas vezes escorrida, talhada, outras, imerge o nosso olhar numa liquidez que aspira à reflexão e à certeza. Ficar indiferente à pintura de Martinho Dias é permanecer em desassossego e ambiguidade. E nós, homens, usando o bisturi da razão explicativa, tendemos para o que é confortável e certo. A questão é se lá chegamos. 

Criticismo social na pintura de Martinho Dias

GAZETA DAS CALDAS, fevereiro 2020

Por Natacha Narciso

“Penas”, designa a exposição de pintura de Martinho Dias, patente na galeria do CCC até 19 de Abril. A não perder esta mostra, que foi criada para as Caldas e à qual não faltam referências da cidade. As telas são de grandes dimensões e não deixam ninguém indiferente.

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O pintor fez uma visita guiada a esta exposição constituída por telas inéditas.

Abriu no sábado, 1 de Fevereiro, a exposição de Martinho Dias que começou a ser planeada há três anos. “Quis adiar, para criar obras de raiz para esta mostra”, contou à Gazeta das Caldas o pintor da Trofa, formado nas Belas Artes do Porto e que trouxe grandes telas, inéditas, onde surge em realce o inusitado das mais diversas situações.

Há, contudo, as mais diversas referências às Caldas, pois o autor colocou pratos, melancias, lagostas e repolhos, sugeridos por Bordalo Pinheiro nas mais diversas situações formais destacando, assim, situações paradoxais como um conjunto de homens vestidos formalmente que buscam algo importante em carteiras de senhora. Há um pianista que actua com um conjunto de louça suja em cima do piano ou um enorme repolho que está colocado numa sala de uma cimeira internacional.

As propostas, repletas de ironia e de crítica social, não deixam de expor as fragilidades humanas e escolhas absurdas que por vezes fazemos e que nos levam à situação absurda de deliberadamente abraçar cactos.

Entre as obras conta-se ainda com “A queda dum anjo”, da série “Corja” que foi inspirada na obra homónima de Camilo Castelo Branco. Neste retrato surge o político que veio do interior do país para a capital “acabando por passar para o lado que ele tanto criticava antes”, referiu o artista, que ainda optou por deixar a pintura no chão para dar a real sensação de queda desta personagem alada.

 

Uma Babel, sem fronteiras:

 

Além das pinturas de grandes dimensões e que vão povoar as paredes da galeria, há uma projecção de vídeo de Martinho Dias, situada logo à entrada do espaço. Mais uma vez, há ironia e contradição neste trabalho artístico, pois o autor uniu imagens turísticas de várias latitudes onde “se promovem praias e palmeiras e bairros pitorescos que escondem muitas vezes a miséria do povo”.

Além das imagens com que se promovem os países, Martinho Dias colocou notícias de jornais e postais ilustrados oriundos dos diferentes países. “Nesta espécie de Babel, uni as diferentes línguas num aparente entendimento”, referiu o artista, sublinhando que neste vídeo, chamado “Pangea”, quis esbater fronteiras. Há imagens e textos de países como do Uganda, Irão, Austrália, Canadá, França Inglaterra, Alemanha, Costa do Marfim, Senegal, Portugal, Peru, entre outros.

Para complementar as imagens, o artista contactou cantoras dos vários países e pediu-lhes para que colaborassem, cantando o hino do seu país. “Vi logo que não seria uma tarefa fácil”, contou o artista, explicando que no processo teve que contactar com várias intérpretes e seus agentes. No processo, o autor deparou-se com “problemas, facilidades, simpatias e antipatias também”. Por exemplo, uma cantora israelita contactada informou que não participaria se fosse contactada uma palestiniana. Esta última teve reacção similar.

Uma intérprete cubana teve que desistir da participação neste projecto, pois um tufão arrasou o estúdio onde iria gravar o hino do seu país. A cantora que entoa A Portuguesa nesta Pangea é Amélia Muge.

“Penas” de Martinho Dias vai estar patente até 19 de Abril, na galeria do CCC.

Martinho Dias expõe Paroxetina

Artes & Contextos, dezembro 2017

Por Rui Freitas

A figura humana, real ou surrealizada, nas mais variadas situações e perspetivas, enche as paredes brancas do MAC, em cenários de cor e movimento, registados na tela por Martinho Dias. Cada tela conta uma história, uma crónica, faz um retrato e quase sempre demonstra um ponto de vista. Natural da Trofa, Distrito do Porto, onde vive e tem o atelier – localização em que a principal vantagem que afirma ter é espaço – não só físico – o artista, que em 2009 deixou o ensino para se dedicar em exclusivo à pintura, conta dezenas de exposições em Portugal e no estrangeiro e tem vindo a ser reconhecido através de prémios e distinções diversas. Define-se como alguém reservado que gosta de realizar coisas que, mesmo podendo parecer inúteis, possam ter alguma utilidade para os outros. É simpático e tem sentido de humor; gosta de cumprir objetivos, não promessas. Nas suas palavras “não suporta o espírito de rebanho, o excesso de deferência, abusos de poder e a teimosia crescente em colocar tudo e todos à mercê de inocentes gráficos, números, tabelas, estatísticas, estudos de mercado, etc, etc, tudo isto, apesar da concordância geral de que o sucesso está na aposta e respeito pelas qualidades de cada Ser individual”.

E tudo isso deixa claro nas suas obras.

 

Artes & contextos – O que o inspira?

 

Martinho Dias – Estar bem comigo mesmo e com os que me são mais próximos. Depois disso, a inspiração surge em qualquer lugar e circunstância, sem a procurar. Em estado bruto, não falta inspiração no nosso presente e no nosso passado, e também no nosso futuro. Poder reconfigurar tudo isto e criar algo que interfira no outro, é inspirador.

A sua pintura é gestual e vigorosa, no entanto, cada obra é estudada e planeada antes da passagem à tela, onde é derramada de uma forma enérgica e definitiva, através de uma paleta riquíssima em que por vezes a cor em si mesma é mais importante do que a sua “legitimidade” e onde o fundo cumpre a função de equilíbrio cromático. A comunhão da cor base em pequenas cadências entre os personagens nalgumas telas, transforma o todo num só e cria uma mancha tendencialmente homogénea denunciando cumplicidade ou um processo de anulação do individual.

Vemos emoção e sentimento, afirmações e críticas ou constatação da disrupção social numa seleção de cenas aparentemente arbitrárias, fotografadas pelos olhos do artista e revelada pelas suas tintas em partilhas improváveis de argumento.

Ao contrário do que gostava, diz-nos, não tem muito tempo para visitas a museus e exposições, mas também admite que não tem tido conhecimento de muitas coisas que verdadeiramente o cativem. “Os padrões de “qualidade” daquilo que deve ser mostrado parece estarem a repetir-se há demasiado tempo”, afirma.

Enquadrados pela tela que não basta, mas que guarda tudo o que importa, estão retratados momentos onde parece estar tudo o que o mundo tem a dizer dali; outros que são apenas pormenores de uma cena maior, muito maior, da qual ele escolheu mostrar aquilo que diz por tudo o resto.

 

A&c – Em relação a cada obra, qual é o momento em que sente que “cumpriu”, quando a termina ou quando a expõe?

 

M.D. – Os dois momentos são importantes. Quando dou a obra por terminada, – e como não quero vê-la de castigo contra a parede – procuro colocá-la em relação com os outros, ver qual é o seu poder de sedução, como se afirma, (ou não), noutros contextos fora do atelier.

É um pouco como fazer um bolo e partilhá-lo com alguém.

As manchas de cor que compõem as feições, os corpos e os objetos denunciam ilusórios movimentos impertinentes de aglutinação e cisão que se decompõem numa ordem caótica e se restauram com o sentido todo que um ponto pode ter.

Escolhe o enquadramento sem desperdícios, e as personagens ali retratadas são tanto mais frenéticas quanto mais nos aproximamos da tela, tanto mais individuais quanto afinal deslocadas, como um todo coerente, composto de anomalias.

As personagens escondem-se ou revelam-se umas por detrás das outras, os objetos transfiguram-se e mudam de lugar, através de movimentos que acontecem quando não estamos a olhar, (e como Schrödinger tinha razão) das manchas de cor vivazes e impressionistas. Martinho Dias retrata cenas reais, oníricas, imaginadas e surreais e em algumas das obras todas estes modelos se misturam, se confundem. São crónicas, retratos, relatos e até anedotas, em que sobressai um muito saudável brincar com coisas sérias. Ele é arauto e anjo revelador, crítico mordaz, castigador, provocador irónico e cínico.

 

A&c – A maioria das suas obras são críticas ou opiniões. Deseja que entendam a sua mensagem, ou agrada-lhe que eventualmente cada pessoa tenha a sua interpretação?

 

M.D. – Não se tratará bem de “mensagem”, mas antes de uma ideia ou ponto de vista que gostaria que o espectador a conseguisse ler. Depois, cada um poderá partilhar ou não dessa visão e acrescentar algo – isso é positivo. Cada um é livre de fazer a sua própria interpretação, mas o meu objectivo é que cada pintura possa ser legível – não de uma forma linear e hermética, naturalmente.

 

A&c – Já realizou trabalhos a partir de textos de músicos… e a partir de uma música, já fez?

 

M.D. – Sim, é verdade, já me coloquei no papel de intérprete a pintar e a procurar interpretar pinturas que músicos/ compositores (Victorino D’Almeida, Eurico Carrapatoso, Trovesi, Kepa Junkera, entre outros), imaginaram e descreveram por palavras – isto para o meu projeto “Pinturas Escritas”. Mas ainda não fiz nenhum trabalho a partir de uma música. Se o fizer, procurarei alguma correspondência entre as formas visuais e as formas sonoras e o modo como estas dão vida à composição e, sobretudo, à ideia base do compositor acrescentando depois a visão do pintor.

 

A&c – Quais foram os primeiros pintores que na sua infância/juventude realmente o impressionaram.

 

M.D. – Júlio Pomar, seguido de David Salle, Joan Mitchell, Sigmar Polke e Helnwein.

Paroxetina, o nome que o artista deu a esta mostra, remete-nos para um composto farmacológico antidepressivo e sim, esta exposição de beleza pictórica e cromática superiores, de coerência formal e técnica excecionais, pode muito bem simular os seus efeitos e sem contraindicações.

MARTINHO DIAS – entrevista

KLASSIK INTERNATIONAL Brand, Barcelona – Nova Iorque, 2018

Por Laura Gomez

 

Enquanto artista, como se define?

– Considero-me um artista figurativo, expressivo, sério e humorado. Interessa-me muito o conceito, mas não sou conceptual. Não consigo mostrar o que quero unicamente através da mente. Habitualmente sirvo-me da pintura, com tintas, pincéis e cartões magnéticos.

No essencial, eu serei um (re)construtor de narrativas, um manipulador de imagens e de contextos.

 

Há quanto tempo está na Arte?

– Eu diria que estou na Arte desde que me conheço, tendo começado pela “arte de brincar”. Fui sempre uma criança muito ocupada e quando não tinha ocupação, inventava-a. Nunca quis ser astronauta porque achava impossível, mas acreditava que poderia voar com uns cartões grandes, em forma de asa, amarrados aos braços – tudo correu bem, sempre, menos voar.

Construí, destruí, ampliei e reconstruí um elevado número de casas (habitáveis) no quintal.

Com proteção divina, servia-me de ferramentas cortantes para construir, em madeira, barcos, aviões, uma mesa ou uma estante. Mais tarde, o meu primeiro cavalete, depois o atelier.

Na minha primeira pintura a óleo utilizei água para “diluir” as tintas...

Frequentei a Escola Soares dos Reis e depois a Faculdade de Belas Artes do Porto. Trabalhei como ilustrador para diversas Editoras e lecionei Artes Visuais até 2009. Ao mesmo tempo procurava participar em exposições e bienais e promover o meu trabalho junto de galeristas e colecionadores. Enquanto isso, continuava a inventar tempo para pintar.

Qual a temática que melhor o define?

– A minha temática é sobretudo social, jogando com o poder e a falta dele ou com comportamentos diversos conectados entre si. Gosto de ver diferentes modalidades (incompatíveis, por norma), a jogar no mesmo campo: umas vezes pode ser a tela, outras, a vida. Interessa-me a figura humana e a sua condição, em movimento congelado. As minhas figuras raramente surgem isoladas, mas sim, fazendo parte de narrativas muitas vezes paradoxais, surreais ou mesmo absurdas. Isto para tentar algum equilíbrio com o excesso de “realidade”, de “lógia”, de “liberdade”, de “tolerância” e de “verdade” em que estamos submersos. Queremos pôr a nossa marca em tudo e acabamos por marcar muito pouco.

 

Onde encontra inspiração naquilo que faz?

– A inspiração encontro-a no tempo que vivemos atualmente, sobretudo, e na forma como o vivemos. Noticias e imagens dos media também podem ser inspiradoras. Mais do que os factos, interessa-me o modo como os humanos se relacionam entre si – o modo como nos comportamos em sociedade e em privado. Baseio-me naquilo que conheço, mas também naquilo que desconheço. Não faço uma ilustração disso, antes prefiro equacionar composições possíveis.

 

O que o motiva a trabalhar?

– Para além do ponto de vista profissional, sou motivado pela necessidade de materializar e concretizar algo. Só assim o poderei dar a conhecer ao outro – esse é o meu trabalho.

Nos seus trabalhos, qual a experiência da sua vida que melhor se reflete?

– Simplesmente a experiência de viver.

 

O que significa ser criativo?

– Ser criativo significa ser capaz de fazer algo novo com aquilo a que todos têm acesso, mas que ainda não foi feito. Como as palavras, por exemplo. Todos nos servimos das mesmas palavras que os escritores ou poetas, mas só alguns fazem as combinações sintáticas que os distinguem de outros. A criatividade e a criação não são propriedade dos artistas. Há muita gente comum, menos comum do que toda a gente. Ser criativo, devia ser uma obrigação!

 

Há certamente artistas que o influenciaram no seu trabalho... Quais?

– Contrariamente à tendência para catalogar, definir e dar nome a tudo, eu prefiro o “agridoce”. Tempos houve, em que a música rock fugia da música clássica como o Diabo foge da cruz. Hoje, apesar de muitas combinações panfletárias, podemos assistir a casamentos admiráveis entre uma guitarra elétrica e um violino, por exemplo.

Por outras palavras, poderei ficar absorvido pelos arranhões, manchas acidentais ou gestos brutos, com combinações tradicionais, esfumadas, precisas, fotográficas ou minimalistas.

Para clarificar melhor a pequena salada que acabei de fazer, imaginemos uma obra comum com estes artistas: Sigmar Polke, Ai Weiwei, Rembrandt, Benjamin Clementine, John Cage, Willem de Kooning, William Turner, Antoni Muntadas, Rauschenberg, Mark Rothko, AC\DC, Philip Glass, Thomas Struth, Julian Schnabel, Vermeer, Stockhausen, Leonard Cohen, David Salle, Bernardo Sassetti, Franz Kline, Dan Flavin, Jackson Pollock, Fragonard, Anish Kapoor, Antoni Tàpies, Brian Eno, Anselm Kiefer, Ghada Amer, Shirin Neshat, Nils Petter Molvær, Peter Haley, René Aubry, Bill Viola, Courbet, Rolling Stones, Helnwein, Fiona Rae, Paula Rego, Mike Dragas, Pina Bausch, Malevich, Ron Mueck, João Penalva, Picasso, Ad Reinhardt, Millet, Gerhard Richter, Kandinsky, Francis Bacon, Jenny Saville, Ann Hamilton, Gary Hume, Caravaggio, Júlio Pomar, Cecily Brown, Cézanne, Hermeto Pascoal, Laurie Anderson, Marlene Dumas, Jeff Wall, Joseph Beuys, Velásquez, Murakami, Monet, Sol LeWitt, Joy Division, Maurizio Cattelan, Nuno Rebelo, Delacroix, Kennet Noland, Kronos Quartet, Francisco Goya, Peter Greenaway, Gary Hill, Steve Reich, Albert Oehlen. Estes são apenas alguns dos artistas que poderão estar presentes no meu trabalho, quer seja dentro da minha pintura, quer seja como companhia. Interessa-me o rigor de uns, tal como a experimentação ou loucura de outros, quer sejam realistas, minimalistas, clássicos, abstratos ou conceptuais. Na verdade, tenho dificuldade em nomear dois ou três artistas influentes para mim.

 

No seu processo de trabalho, qual a fase que mais gozo lhe dá?

– A parte final da realização de uma obra é aquela que mais prazer me dá, mais ainda, quando ela é colocada em contacto com o exterior. Penso que é justo sentir esse prazer em alguma fase do processo. Para mim, é a caminho do fim (incerto), quando começo a ver alguma coisas a tomar forma. Afinal, foi para isso que comecei.

Apesar de eu ter, à partida, uma ideia do que vou fazer, a fase inicial é sempre de expectativa, ansiedade e muitas vezes de trabalho aborrecido. Depois, pode (ou não) ser uma festa e não dar pelo passar do tempo... como posso ter uma luta inesperada para travar.  

 

Como vê o papel do artista na sociedade?

– O artista integra a sociedade como qualquer outro cidadão. O artista não trabalha para a sociedade, mas depende dela para existir. Por seu lado, a sociedade não precisa do artista, mas sim daquilo que ele é capaz de criar. Se ele existe – podemos não dar pela sua presença, mas se faltasse, a nossa existência perderia sentido. O seu papel é ser artista.

Considera que a Arte deve ser financiada? Porquê?

– A arte deve ser financiada quando está em causa a (não)concretização de uma obra, quer do ponto de vista do artista, quer do ponto de vista do público. Eu, enquanto artista e enquanto fruídor não devo ser privado de dar a conhecer o que faço (para o outro), nem devo ser privado do que me é dado a conhecer, só porque ultrapassa a minha capacidade económica. Naturalmente, que excluo a aquisição de obras.

Tudo isto está dependente da capacidade e grau de instrução dos governantes, no que respeita a políticas culturais, tal como depende dos cidadãos para exigirem essas políticas.

Esta é uma resposta muito curta e imprecisa para uma questão pertinente e complexa. 

 

Qual a sua opinião sobre Arte e mercado?

– Desde há muito que a Arte e o mercado trabalham juntos. Há quem tenha alguma relutância em falar das duas coisas ao mesmo tempo, como se o artista trabalhasse para si próprio e o resultado desse trabalho perdesse dignidade ao ser transacionável com um valor de mercado. O valor da obra de arte, enquanto tal, não se altera só porque se lhe atribui um valor comercial. Muita da arte e anti-arte que se opunha ao mercado, acabou em museus e coleções por via de transações comerciais. Há, contudo, que fazer distinção entre a “arte comercial”, que poderá não merecer o estatuto de “arte” a partir do momento que é criada para o mercado e a obra que é criada com um fim específico, ou espontaneamente pelo artista, à qual se lhe atribui um preço. Penso que atualmente uma boa parte da comunidade artística está excessivamente envolvida com o mercado, com tendências..., em combinar as calças com as peúgas. Ao mesmo tempo que o campo da arte se expande, existem meios e técnicas considerados arcaicos face a outros novos meios que, por si só, não fazem a obra de arte. Ficamos por vezes extasiados com a espetacularidade do meio ou com a produção do artista, que nem damos conta da ausência de “arte” na obra. Por outro lado, parece haver uma certa vergonha de que uma obra possa ser entendida por mais de três pessoas, para além do artista. Há muita coisa sobrevalorizada financeiramente e assente em muitos concetualismos arcaicos de meados do século XX. A este propósito, cito Beuys, em 1964, do seu livro “Cada Homem Um Artista”: “O silêncio de Marcel Duchamp está sobrevalorizado”.

A propósito da obra “Licença de Maternidade”

agosto 2019

Por José Côrte

Há vinte e oito anos nascia sem licença nem subsídio de nascimento pelo facto da sua mãe não estar em situação laboral para tal, uma espécie de recibos verdes. Curiosamente, nessa altura trabalhava para o estado. Há quem diga que esses recibos já foram azuis, quem sabe, de outras cores também.

O subsídio de nascimento acabou em mil novecentos e noventa e sete bem como o subsídio de casamento e o subsídio de aleitação. O abono de família deixou de abonar determinados escalões quando a famosa e conhecida crise bateu à nossa porta.

 

Hoje, espera pelo seu segundo filho na incerteza de ter uma licença remunerada, por ter usufruido de insenção, pois dependerá dos cálculos que comprovem o prazo de garantia de seis meses civis, seguidos ou interpolados, com registo de remuneração, à data do impedimento para o trabalho. O seu primeiro filho teve mais sorte, nasceu cinco meses e meio depois de ter acabado um contrato de um ano de trabalho, respeitando assim a condição de declarar rendimentos de, pelo menos, seis meses seguidos ou interpolados nos últimos doze meses.

Como pai e avô, funcionário do setor público há 28 anos que sempre pagou os seus impostos, merecia mais dignidade para os meus. Aliás, mais dignidade para todos. Somos um dos países da Europa com menor taxa de natalidade. Corremos o risco de sermos seis milhões em dois mil e cem. Sentir-nos-emos confortáveis quando falarmos a uma criança, olhos nos olhos, sobre igualdade? Licença à maternidade é preciso. Licença de maternidade, se não é, deverá ser um direito da criança.

 

"Licença de Maternidade" deveria estar na Assembleia da República, oferendada por todas a mães e pais deste país, quer trabalhem a recibos verdes ou não.

"Licença de Maternidade" deveria estar bem à vista na "Sala dos Passos Perdidos" para que não percamos a corrida à natalidade.

"Licença de Maternidade" deveria ser apreciada e sentida pelos fazedores de leis para que tenham sempre presente que a maternidade é uma dádiva.

Eu quero um país, queremos um país, sem impedimentos para uma mãe grávida, sem filhos legislativamente segregados.

Inside the studio – Martinho Dias

novembro 2015

Por Saatchi Art

Quais são os principais temas que tu persegues no teu trabalho? 

O meu trabalho é essencialmente figurativo e o meu tema principal é o social, jogando com os diferentes poderes e franjas da sociedade, misturado com uma porção generosa de ironia e humor à volta de muitos paradoxos. Recolho o meu material inicial principalmente da imprensa escrita, da história da arte e da internet.

Considero-me um manipulador e reconstrutor de imagens e contextos oferecendo novas realidades e narrativas. As imagens fotográficas servem de “modelos” para as figuras, rostos e corpos da minha pintura. O que eu faço é retirar personagens do seu ambiente de conforto, (principalmente protagonistas da atualidade), oferecendo-lhes em troca, e sempre que possível, um certo desconforto.

 

Qual foi o principal conselho que deste a ti próprio enquanto artista?  

Os meus melhores conselhos vieram sempre de mim próprio: trabalhar; ser eu mesmo; fazer o melhor; olhar à volta; ser persistente. E nunca esperar que alguém vá fazer alguma coisa por mim – viajo num avião construído por mim próprio.

 

Gostas mais de trabalhar com música ou em silêncio? 

Gosto muito das duas coisas. Em certas fases do trabalho, principalmente na parte inicial, não há muito espaço para a música – não é necessária. A partir do momento em que as ideias começam a ganhar corpo e a obra deixa a fase embrionária, é aqui que a música pode entrar – em diferentes géneros musicais. Ela funciona como uma espécie de comemoração.

 

Se tu apenas pudesses ter uma única obra de arte, qual seria? 

Poderia ser uma obra de Gottfried Helnwein, por exemplo,

“The Child Dreams 6”, 2011 ou “Lest you Forget”, 1995.

 

Quem são os teus escritores favoritos?

Desde há muito tempo que não tenho tempo para dedicar à leitura o tempo que eu gostaria. Para além disso, tenho o defeito de me centrar mais em leituras ensaísticas e documentais. Contudo, não deixo de referir os escritores que mais me entusiasmaram e entusiasmam:

José Saramago, Afonso Cruz, Paul Auster, Aldous Huxley, Jorge Luis Borges, Italo Calvino, para além daqueles que ainda não li.

Discurso do “Prémio MAC2015  - Hilário Teixeira Lopes"

por MAC – Movimento Arte Contemporânea, Lisboa, 2015

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MENTIRAS E OUTRAS VERDADES

Galeria 5, novembro 2015

 

Texto para catálogo da exposição

Por Martinho Dias

A arte é uma mentira que revela muitas verdades – não resolve os problemas do mundo mas ajuda a tomar consciência da sua existência.

A pintura, em particular, sendo sedutora mas mentirosa, enganadora e perigosa, ao contrário da visão de Platão, é mais do que uma cópia ilusionista ou uma encenação teatral. Também não é as uvas pintadas, por Parrhasius, com tanta veracidade que enganaram os pássaros, nem mesmo a cortina pintada por Zeuxis, e colocada frente às uvas, e que enganou Parrhasius que a terá mandado retirar para poder ver o quadro, (segundo Plínio).

As pinturas que agora se apresentam na Galeria 5, são manipulações e encenações do quotidiano e resultam de uma pesquisa de verdades e algumas mentiras. O que eu faço consiste em retirar atores e figurantes do seu espaço de conforto, procurando oferecer-lhes, em troca, algum desconforto, sempre que possível. A minha temática é sobretudo social, jogando com diferentes poderes, diferentes franjas da sociedade e alguma ironia e humor em torno de muita seriedade e de muitos paradoxos – reais ou inventados.

De um modo geral, estas obras movem-se, sobretudo, numa crítica social e política dentro da realidade contemporânea – descontextualizada e reconfigurada no plano da tela, oferecendo depois uma nova realidade.

MENTIRAS E OUTRAS VERDADES

Galeria 5, novembro 2015

 

A propósito da exposição

Por Francisca Abreu

São imensos e variados os caminhos da criatividade. Os artistas mais prolíferos das artes visuais refletem as suas experiências e visão da vida e do mundo, do eu e do outro, do tangível e do intangível, utilizando / experimentando técnicas distintas como forma de expressão e comunicação. Há momentos de euforia, de entrega, de vivência, de ironia, de crítica, de reflexão, de inquietação, de desassossego, de interrogação, de pausa, que geram manifestações de energia criativa, filtradas pelo olhar, pelo ritmo, pelo sentir, pela força, que rasgam a alma do artista.

 

A criatividade é um estado de desfrute, de convicção, de compulsão, de paixão dionisíaca, de exaltação. A criatividade emerge da profundidade na dimensão sensorial e emocional. Exalta a emotividade aos limites do possível (e do impossível?). Vive livre e desenvolta no lado mais complexo do artista, no 'mundo' mais desconhecido e misterioso da intuição, da inteligência emocional, na área fértil e engenhosa da sensibilidade. Vive na inebriante vocação do ser humano, no seu mais intenso desejo de sentir e interpretar a vida e o mundo, recriando-os.

 

De cores fortes e traços vincados, as obras de Martinho Dias revelam um artista inventivo e curioso, crítico e irrequieto, prolífero e transformador. Cada obra, prenhe de cor e movimento, confronta-nos com situações da nossa vida social coletiva, sob um olhar crítico, mesmo irónico, que não nos permite a indiferença ou 'passar à frente'. Prende-nos o olhar e apela-nos à reflexão e, por vezes, ao sorriso irônico, porque nos confronta com uma inovadora e inusitada visão do que, até então, nos parece 'comum' ou 'normal'.

 

Martinho Dias, nas suas obras, mostra-nos o quotidiano. Não o quotidiano como o vemos ou vivemos. Antes o quotidiano sob o espírito da interrogação e da inquietação, de uma sensibilidade apurada, que lhes confere, a todas e a cada obra em particular, um sentido muito próprio, novo, inventivo e, até, desconcertante. Martinho Dias socorre-se da associação, da inventividade, da paixão, do olhar crítico, para imergir na seiva sempiterna do espírito da matéria.

Interview with artist – Martinho Dias

PAINTERSPOT blog, Alemanha 2014

Por Mike Mainbird

1) Who are you and where do you live?
First of all, I’m Martinho Dias, a Portuguese artist living and working in Trofa – Oporto area.
My work is essentially painting. I work to myself and for the public that like what I do.

 

2) What did you do before you decided to become an artist?
I have not yet decided to become “artist”, but I always wanted to paint, draw, design, compose, work with ideas – be free.
Before embracing the artistic activity in full time, I did illustrations and taught visual arts.

 

3) When and why did you decide you devote to the art?
I always thought dedicate myself to art and I always worked in this direction. As in all activities – particularly in the artistic area – the time, work and persistence are crucial.

 

4) What is your favourite Subject (s) and design media?
I work with what is most convenient for me, but mainly with acrylic paint.
What I do is to decontextualise, above all, remove several of the protagonists of our time out of their comfort space; seek to abolish compartments and bring different realities for the same stage,
trying to thus build a new reality for the viewer.
My theme is particularly social, playing with different powers, different fringes of society and some irony and humor around many paradoxes – real or invented.

 

5) Where or how to find inspiration?
All my work is born in my head. I do not do many studies. It takes me a few weeks to think and to build, almost mentally, a group of works.
After that I save main ideas on paper and look for my models. Finally, when I start painting, I only stop, usually, on the last work.

 

6) What do you like about your work?
I like some narratives; some compositions, expression, color … Particularly, I like to surprise myself, (sometimes it happens). I like that each work be a pretext for a discussion beyond the physical boundaries of painting itself.
I like the conclusion phase of a work and that it has autonomy to live and defend for itself outside the studio.

 

7) Which artist or art movement that has influenced you and what way?
Among others, I started interesting me by a Portuguese artist Júlio Pomar. Then for a while, I became interested by Joan Mitchell’s work, Sigmar Polke and David Salle.
In a case, the stain and the color; in another, the line and glued tissues, and in Salle, the figure.
Later, I met Jenny Saville and Gottfried Helnwein and I was fascinated. However, I do not consider that these artists have been decisive for what I’m doing today.
Right now, with the internet facilities, interests me the work, or parts of the work, from various artists … But I am still to know Rembrandt.

 

8) What are the best answers that you have received for your work?
Some expressions like:
“I can not remain indifferent to your images”; “Every day I look at your picture and I find new things”; “Your paintings gave a beautiful draperies”; “Each work gives discussion for several hours”; “I have not found out how you managed to join cardinals and rugby players”; “I love this painting but that stain suffocates me”; etc.

 

9) What are your favorite art and artists?
The Raft, 2004, Bill Viola;
Passage, 2004, Jenny Saville;
The Child Dreams,  2011, Gottfried Helnwein, among many others.

 

10) What advice would you give to other artists?
Work, work, work … (after all, “who works for pleasure not tired”).
Boldness, determination, perseverance, look at all possible sides, not be swank, not dress wolf’s clothing nor lamb … Above all, to be honest and know what’s want.

 

11) Is there a question which do you imagine itself again and again?
Why are we obsessed by numbers, graphs and equations and not by ideas or combination of colours?

 “Pertenço-me” | Martinho Dias

 Mutante Magazine, Outubro 2014

por Sara Quaresma Capitão

Martinho Dias, nasceu em 1968, em Trofa, onde reside e trabalha. É mestre em pintura pela Faculdade de belas Artes do Porto. Um veterano com técnica construída que inaugura uma exposição que deve visitar. (ler mais)

PERTENÇO-ME

MAC – Movimento Arte Contemporânea, Lisboa

 

Texto do catálogo da exposição, outubro 2014

Por Álvaro Lobato de Faria (Dir.)

Ao longo de cerca de 20 anos de carreira, Martinho Dias, tem vindo a ser um intransigente pesquisador de verdades e de liberdades interiores, não cessando de se transformar – mantendo-se, no essencial, fiel a si mesmo.
Martinho Dias perfaz o contorno, realiza o movimento, concretiza a ideia num imaginário pictórico único que lhe atribui um lugar marcante nas artes plásticas portuguesas.
As suas telas refletem reminiscências que instigam a imaginação e afloram a lembrança de qualquer observador, conferindo harmonia e beleza à trivialidade do quotidiano.
O grafismo, aqui afirmado como elemento estilístico, afirma a autonomia da cor, que polariza e atrai a fluidez antropomórfica das formas, é na sua obra de uma importância fundamental.
Fala-nos pela incidência da cor que transporta e assume o papel de interlocutor entre a obra e o espectador.
Estamos agora perante um artista sem hesitações, de um saber constante e ritmado, onde cada tomada de consciência nos abre o caminho para o seu mundo multidisciplinar, onde cada gesto tem o sabor de uma certeza.
A arte de Martinho Dias, extraordinariamente sensível na fluidez da linguagem das formas, na vigorosa materialidade da cor, na força e no encanto da sua evasão e do seu êxtase, é uma fascinante e esplêndida aventura espiritual e técnica.
As suas obras, são pois materialização de anseios e de sonhos, notas de realce, na Pintura Portuguesa Contemporânea.
A devoção e o profissionalismo, a continuidade e o empenho que Martinho Dias nos transmite nas suas obras, revelam-nos estar perante um grande pintor e um excelente artista, reconhecido não só em Portugal como internacionalmente.
Em “Pertenço-me” título da exposição que agora nos apresenta no MAC- Movimento Arte Contemporânea, mostra-nos a sua constante evolução, a sua busca sem fadiga, a qualidade intranquila da sua poética, que faz de cada momento uma reencarnação imprevisível, uma nova conquista, um constante enriquecimento.
Revelando um esforço de lucidez e de empatia criadora, tem merecido, justamente, os aplausos de grandes nomes das artes plásticas, de críticos e do público.
O vigor e qualidade do conjunto destas obras farão, com toda a certeza, que Martinho Dias ocupe um significativo lugar nas artes plásticas do nosso país, pela pintura que vem construindo e a que já nos habituou, confirmando o talento e sobretudo a qualidade técnica e criativa deste artista.


Álvaro Lobato de Faria
Diretor-Coordenador do MAC – Movimento Arte Contemporânea

A propósito da ironia socrática

Outubro 2013

Por Martinho Dias

No ano passado, mais precisamente em Março, cruzei-me com José Sócrates no bar da RTP: eu procurava uns segundos dedicados ao meu trabalho e ele estava prestes a estrear-se como comentador, gratuitamente. Ele reconheceu-me e sentou-se na minha mesa enquanto tentava limpar o olho e o cabelo da farinha da bola de Berlim. 

 

Colocou na pasta o “Crime e Castigo”, “O Julgamento de Sócrates” e o Correio da Manhã e falámos um pouco sobre os nossos mestrados, pois fomos colegas durante um ano – eu no Porto, ele em Paris. Eu concluí o meu mestrado em Setembro de 2012 e ele iria concluir o seu no mesmo mês, mas em 2013. Ele disse estar desorientado e confuso relativamente ao tema da tese. Como eu tinha desenvolvido “a pintura fora da pintura”, estava à vontade para lhe sugerir qualquer coisa sobre tortura nos regimes democráticos – uma sugestão que Sócrates acabaria por seguir. 

 

“Tor-tu-ra nos re-gi-mes de-mo-crá-ti-cos”: um tema brilhante, do qual ainda hoje me orgulho, e que, à excepção de políticos, gestores e beneficiários do rendimento mínimo, afecta toda a gente – veja-se a recente tentativa de repor as subvenções vitalícias, como refere a minha amiga Graça Martins. Só o facto de alguém se lembrar disso é já uma dolorosa tortura – daí a importância dos escritos de Sócrates onde ficamos a saber que ninguém faz o mal voluntariamente, mas por ignorância, e que a ocasião faz o ladrão... e... palavra puxa palavra, Sócrates começa a dizer-me que não estava a conseguir concentrar-se por culpa dos rumores sobre a sua vida de luxo em Paris, e que isso era tudo mentira. 

 

Como qualquer estudante, pediu um empréstimo à CGD para poder viver um ano em Paris, sem nenhuma responsabilidade ao nível profissional. Essa foi a primeira coisa que fez quando deixou de ser PM. Disse-me que tem uma única conta bancária há mais de 25 anos, que nunca teve contas a prazo, nem acções, nem 'off-shores', nem contas no estrangeiro. 
Ele desabafou isto com tamanha convicção, que eu não acreditava que alguém pudesse duvidar de uma argumentação que já reflectia os estudos desenvolvidos em Paris. 

Neste momento, Sócrates aproveitou uma escapadinha de fim de semana para descansar do voo. Se ele pode fazer isso, é merecido. Não será de bom tom sermos invejosos. 

Sete perguntas a Martinho Dias

CORREIO DO PORTO, Porto 2012

Por Paulo Moreira Lopes

MARTINHO Dias nasceu em Covelas, Trofa, onde reside e trabalha. Enquanto despertava para a realidade tinha sempre a companhia dos livros e histórias do pai, mais uma caixa de lápis de cor e outra de marcadores. Cresceu mais lentamente do que a paisagem que o rodeava e que lhe servia de modelo no início. Hoje, desenvolve um trabalho assumidamente figurativo, com alguns rasgos de abstracção, onde diferentes realidades, por vezes antagónicas, partilham o mesmo espaço da tela. Recentemente representou o país no 10.º Simpósio Artístico Internacional, que decorreu na Alemanha.

 

Escolas/Universidade que frequentou no distrito do Porto?

Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto; Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis e Escola Secundária da Trofa.

 

Atividade profissional?

Artista plástico.

 

Em que medida o local onde viveu ou vive influenciou ou influencia o seu trabalho por referência a fenómenos geográficos (paisagem, rios, montanha, cidade), culturais (linguagem, sotaque, festividades, religião, história) e económicos (meio rural, industrial ou serviços)?

Não me parece que o local onde nasci, e onde ainda vivo, tenha sido determinante para a minha opção profissional e artística. Sempre tive um interesse especial pela actividade criativa, pelas artes e pela pintura em particular, desde que me conheço.

Nasci numa aldeia onde a cultura académica (agora um pouco diferente) era praticamente inexistente. Do meu núcleo familiar, apenas o meu pai, que era afinador têxtil, sempre ambicionou seguir os estudos que nunca lhe foram possíveis. Sempre o vi a ler e interessado por tudo. Assim, os livros foram sempre uma companhia muito próxima.

 Um dos factores determinantes para aquilo que sou hoje, enquanto pessoa e artista, foi a estabilidade familiar, a complementaridade das personalidades dos meus pais, a liberdade regrada na infância, o apoio, o incentivo e o orgulho discreto.

Quanto à comunidade local, julgo perceber esse mesmo orgulho discreto e a consciência de que a identidade de um local não se faz unicamente com uma nova estrada alcatroada, uma caixa multibanco ou um novo edifício da Junta de Freguesia. Os valores imateriais são reconhecidos, mais ainda quando divulgados pelos meios de comunicação social. 

Reconheço que se o meu núcleo familiar estivesse localizado num meio mais urbano: em princípio com uma maior abertura para a contemporaneidade, com mais diversidade e actividade cultural, mais familiarizado com a actividade artística e com tudo o que lhe está inerente, o meu processo de formação artística teria sido beneficiado.

Por outro lado, o meu envolvimento natural e paisagístico terá influenciado, numa fase embrionária, a minha opção temática para aquilo que procurava representar. Julgo que a este factor poderei acrescentar a necessidade de ver mais facilmente reconhecido o trabalho por parte da comunidade, dada a dificuldade em aceitar a abstracção.

Não sei se isso influenciou a minha opção estilística actual – o trabalho que desenvolvo hoje é consciente e assumidamente figurativo com alguns rasgos de abstracção, ironia e paradoxos.

Martinho Dias – arte e privilégio

S. Paulo, Brasil 2011

Por Paulo Vergolino, Curator

Hoje em dia nos acostumamos a nos deparar com uma quantidade realmente imensa de técnicas e propostas artísticas, a contemporaneidade em arte abriu nossos olhos e nos mostra a cada minuto que não há limites na criação.

O trabalho de Martinho Dias é extremamente comprometido com dois aspetos principais - a forma e o conteúdo. Percebemos ao analisar suas obras, o cuidado extremado com que foram produzidas, é um desenhista antes de tudo e essa veia é aparente em muitas de suas obras, bem como colagens, texto, vídeo-arte e outros recursos plásticos que utiliza sem a menor parcimônia, porém, com resultado agradabilíssimo.

Suas obras que ainda buscam a figuração em alguns momentos e a quase abstração em outros ou mesmo um misto das duas propostas, são a mais pura representação de uma visão de mundo bem pessoal, faz uso da cor e da não-cor com grande sapiência – nada lhe passa despercebido e o melhor de toda essa gostosa brincadeira é ver o quanto o novo pode ser prazeroso nas mãos de um verdadeiro artista.

Dias e a sua obra plástica estão prontos para os desafios do futuro, sua obra vai muito além do simples ato da expressão através da pintura – tem estofo e merece toda a nossa atenção. Feliz daquele quem não se nega a desfrutar de seu conjunto artístico.

APLAUSO

Galeria de São Bento, Lisboa, 2007

 

Texto para o catálogo da exposição

por Hugo Barata

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Sobre o projeto PINTURAS ESCRITAS

por Rui Eduardo Paes, Lisboa, 2005

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